Monday, September 15
Blogagem Colectiva para Flávia em 9/Set/2008

Jornal O GLOBO do 01.06.2008

São Paulo. Apesar de tantos anos de espera por justiça, da angústia de olhar para a filha e não saber o que será do dia seguinte, nem saber se ela está, de fato “neste mundo”, Odele Souza, diz não ter raiva. Ela não se sente nem vítima nem heroína:
- Sou uma mãe como qualquer outra, que foi colocada numa situação especial. Não posso ser fraca porque Flavia não pode contar com uma mãe fraca. Não tenho raiva, tenho é indignação e perplexidade. Não entendo a postura das pessoas, do valor que se dá à vida. Ninguém está preocupado com a rotina dolorosa de minha filha.

Além do longo trâmite do processo na justiça, Odele teve de amargar uma acusação feita pelos réus no processo. "Porque ela não acompanhou esta filha (na piscina)?” Fui enquadrada por uma juíza como co-responsável pelo que aconteceu à Flavia, - conta Odele, que não tem sentimento de culpa.

Flavia ficou no Hospital por oito meses. O advogado da família José Rubens Salgueiro Machado de Campos, explica o acidente: quando a menina estava mergulhando próximo ao ralo, teve seus cabelos sugados, o que provocou o afogamento. A força para desprendê-la foi tão grande que a menina ficou com uma falha no couro cabeludo:
- A sucção foi tão forte que ela ficou presa no fundo. A gente não soube determinar por quanto tempo. O irmão a salvou.

O advogado enumera pontos críticos, inclusive a falta de orientação do fabricante quanto à colocação dos ralos nas piscinas e especificações técnicas:
- Sem nenhum assessoramento, a pessoa que instalou o ralo do condomínio, comprou um equipamento três vezes mais potente do que o necessário para a limpeza daquela piscina, sem supervisão. Isso ficou claro na perícia judicial.

Enquanto aguarda a chegada do caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) Odele e Flavia comunicam-se com o mundo por meio de um blog. “Flavia, Vivendo em Coma”, recebeu 72 mil visitas em um ano de existência.
No blog o relato da tragédia, fotos, depoimentos de outros acidentes, reportagens sobre crianças e adultos que morreram ou se feriram em situação semelhante. E muitos depoimentos de apoio à luta de Odele.
- Esse blog tem dois objetivos: Um é protestar, e o outro é alertar as pessoas. Os amigos que vieram pelo caminho, acabaram sendo um presente.
Esses novos amigos mandam lembranças, como fotos para enfeitar o quarto de Flavia, e arquivos sonoros para alegrar seu dia. Mas e os velhos amigos?
- Eu me dei conta de que a dor alheia a longo prazo é insuportável para o ser humano. As pessoas se afastam porque não sabem mais o que dizer. Os amigos antigos se cansam da nossa dor: Acho que pensam: “O que mais eu digo para consolar essa mulher?” E trocam de calçada. Mas não é por mal, é por uma sensação de impotência. As pessoas precisam aprender a lidar melhor com a dor.

Se Odele tem esperança?
- Digo que minha esperança mudou de rumo. Não acho que Flavia vá se levantar. Mas tenho esperança na capacidade das pessoas de defenderem seus direitos. (TF)

Se Odele Souza pudesse refazer o verso “Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”, diria que saudade é olhar para a filha e não poder “ver o seu sorriso, não receber o seu abraço, não ouvir seus passos pela casa”. É disso que a mãe de Flavia, uma moça de 20 anos, e que está há dez em coma, sente falta.

- Quando vi o caso Isabella (Nardoni), achei todos loucos. Eu lutando pela vida de Flavia e eles jogando uma criança saudável pela janela? – conta a secretária bilíngue, que, num dia ensolarado de janeiro, viu, pela janela do apartamento, o caos na piscina do prédio,
onde a filha, então com 10 anos, brincava com o irmão mais velho e dois colegas dele, também adolescentes. Flavia tinha l,50metros de altura; a piscina, 95 centímetros de profundidade. A menina sabia nadar e estava acompanhada. Odele jamais imaginou que, enquanto mergulhava, os cabelos de Flavia seriam sugados pelo ralo da piscina. A menina tocava teclado e sonhava ser modelo.

Flavia vive em coma vigil, que se caracteriza pelos olhos abertos, em movimento constante. Responde a estímulos sonoros. Não está ligada a qualquer aparelho, mas passa por um complicado processo de aspiração cerca de dez vezes por dia. Alimenta-se com uma sonda ligada diretamente ao estômago, pois não tem condições de deglutir. Está desligada do mundo

Odele briga há dez anos com a empresa fabricante do ralo, com a seguradora do condomínio e com o condomínio, do qual se mudou depois da tragédia. A primeira sentença na justiça deu à mãe e filha uma indenização de 104 mil reais Mas houve recurso e a família é quem banca as despesas com a saúde de Flavia.
- O valor da indenização é aviltante - diz Odele que deixou o emprego para cuidar da filha.

É INACREDITÁVEL o que a justiça neste país é capaz de fazer com uma mãe que só quer justiça para sua filha. Uma menininha que tinha a vida toda pela frente é condenada a viver o resto de sua vida em cima de uma cama, sem ter noção do mundo a sua volta e ainda por cima sua mãe dedicada ainda esperar tanto tempo, sem que os culpados sejam devidamente punidos.

Resolvi participar desta blogagem coletiva para ajudar na luta desta mãe que é um modelo de amor e persistência em busca do que é certo.